sábado, 21 de fevereiro de 2009

Os privados que reabilitem...


«…quando se trata de defender o interesse público conferido pelo voto,há que colocar todo o empenho e dedicação naquilo que se faz…»
Não resisto a citar parte de mais um excelente comentário de Luís Galvão publicado no Alcochetanidades , excerto que na minha perspectiva define por defeito o actual executivo camarário.
Muitos exemplos têm vindo à colação daquilo que é a evidente falta de empenho e dedicação da Câmara Municipal de Alcochete na defesa dos interesses do concelho.
Para não fugir à regra , também a politica de intervenção camarária em matéria de reabilitação urbana em Alcochete , mormente do degradado e desertificado núcleo histórico da vila , revela uma tendência já conhecida para o facilitismo , para o alijar da responsabilidade e para a falta de envolvimento empenhado na resolução efectiva dos problemas.
Foi na passada quarta-feira que o Executivo Municipal aprovou a delimitação do Núcleo Antigo de Alcochete como Área de Reabilitação Urbana.
Consequência directa dessa deliberação , os proprietários de edifícios na referida Área de Reabilitação Urbana que realizarem obras de reabilitação têm direito a incentivos fiscais, desde que as mesmas tenham início no período entre 1 de Janeiro de 2008 a 31 de Dezembro de 2010 e estejam concluídas a 31 de Dezembro de 2012.
Tais benefícios abrangem o IRS ,o IRC e o IMI e traduzem-se por um lado em incentivos à constituição de Fundos de Investimento Imobiliário em reabilitação urbana, que ficam isentos de IRC, desde que pelo menos 75% dos seus activos sejam imóveis sujeitos a acções de reabilitação em Áreas de Reabilitação Urbana, ou sujeitos à tributação à taxa especial de 10% dos rendimentos em unidades de participação nestes fundos, em sede de IRS e IRC , e por outro na possibilidade de obter isenção de imposto municipal sobre imóveis por um período de 5 anos, isenção que pode ser renovada por um período adicional de 3 anos.
Ou seja , o executivo camarário demite-se das suas responsabilidades nesta matéria não intervindo , optando claramente pelo mais fácil , delegando nos proprietários toda a iniciativa da reabilitação em troca de benefícios fiscais.
Face à actual conjuntura económica , aos custos da reabilitação , ao perfil da população residente no núcleo antigo de Alcochete , o mais certo é que esta iniciativa camarária não venha a ter qualquer efeito em matéria de reabilitação urbana , pois sinceramente não acredito que haja muitos proprietários com capacidade financeira , ou com motivação para promover obras de reabilitação a troco de benefícios fiscais.
Havia contudo uma outra opção em matéria de reabilitação urbana , opção que impunha uma intervenção mais séria e empenhada da CMA.
Refiro-me concretamente à opção pela via do financiamento através do REHABITA.
O Regime de Apoio à Recuperação Habitacional em Áreas Urbanas Antigas (REHABITA), tem por objectivo apoiar financeiramente as Câmaras Municipais na recuperação de zonas urbanas urbanas antigas. O financiamento no âmbito do REHABITA destina-se a apoiar a execução de obras de conservação, de beneficiação ou de reconstrução de edifícios habitacionais e as acções de realojamento provisório ou definitivo daí recorrentes, no âmbito de operações municipais de reabilitação dos núcleos urbanos históricos. O acesso ao REHABITA pressupõe a celebração de acordos de colaboração entre o IHRU, as Câmaras Municipais e outras instituições de crédito autorizadas.
Tal possibilidade passaria por um esforço da CMA em ver declarado o núcleo antigo de Alcochete como área crítica de recuperação e reconversão urbanística , o que se me afigura exequível atenta a insuficiência das infra-estruturas urbanísticas existentes, a inexistência de equipamento social e as deficiências dos edifícios existentes, no que se refere a condições de solidez, segurança ou salubridade.
A declaração do núcleo antigo de Alcochete como área critica de recuperação urbanística permitiria à CMA tomar providências que poderiam passar por tomar posse administrativa de quaisquer imóveis situados na área, como meio destinado à realização das obras de beneficiação ou reparação necessárias.
E como já mostrei no Alcochetanidades na ilustração ao texto publicado em 28.01.2009 no texto intitulado «Para Mexer com as Consciências» e que aqui reproduzo , não faltam na vila de Alcochete edifícios que justificam uma intervenção urgente da CMA.
http://alcochetanidades.blogspot.com/2009/01/para-mexer-com-as-consciencias.html
Mas parece evidente que este caminho impõe muito mais empenho e trabalho à Câmara Municipal de Alcochete , logo não será o mais atractivo para o actual executivo camarário.
Assim sendo , os privados que reabilitem se quiserem!

7 comentários:

  1. Caro Luís Proença,

    Acho que não preciso de provar que não estou do lado do actual executivo camarário. Neste assunto em particular, contudo, há uma questão importante a colocar: como pode o Estado (a Câmara, neste caso) substituir-se a um privado nas suas competências sem que tal constitua uma deturpação dos direitos e responsabilidades de cada um?

    Pior: como pode o Estado substituir-se a um privado sem a sua devida autorização? E olhe que isso não é tão fácil de obter como pode pensar. Há casas devolutas em Alcochete que se encontram nessa situação por litígio entre os herdeiros. Como pode a Câmara conversar com pessoas que nem sequer se entendem entre si?
    Um estado democrático exige a partilha de direitos e de deveres, bem como a separação entre público e privado, como certamente saberá. A propriedade privada implica o assumir de responsabilidades por parte dos proprietários, entre as quais se encontra o dever de zelar pelo estado de conservação dos imóveis.

    Creio que a medida da câmara é bem vinda e adequada. O problema não é esta medida. É tudo o resto. Tal como disse o Luís Galvão, e bem, não tomemos a nuvem por Juno.

    Creio que causaria mais transtorno ao actual executivo camarário se alguém, na próxima sessão ordinária da Assembleia Municipal (que está para muito breve), exigisse o fim da coligação CDU e os obrigasse a assumir quem era PCP e quem era PEV. Já viu a bronca que seria se se chegasse à conclusão que ninguém era do PEV e que a coligação tinha sido irregularmente constituída?

    ResponderEliminar
  2. Caro Miguel Saturnino,

    A questão coloca remete-nos para a discussão em torno onde começa o interesse público e acaba o interesse privado.
    Será que questões relevantes no âmbito do interesse público como a insegurança dos imóveis degradados e em estado de abandono, o risco de derrocada e incêndio ,o risco que os mesmos acarretam para a saúde pública e a até segurança pública se pensarmos que podem servir de albergue temporário para todo o tipo de indigentes , deve ceder perante litigios entre herdeiros que se arrastam durante anos e mesmo décadas.
    Pergunta e bem como pode o Estado sobrepor-se ao privado sem a sua autorização?
    Os artigos 42º e seguintes do Decreto-Lei n.º 794/76, de 5 de Novembro dão resposta à sua questão:
    Art. 42.º
    1. A delimitação de uma área crítica de recuperação e reconversão urbanística
    implica, como efeito directo e imediato:
    a) A declaração de utilidade pública da expropriação urgente, com
    autorização de investidura na posse administrativa, segundo o processo
    correspondente, dos imóveis nela existentes de que a Administração
    necessite para a execução dos trabalhos a realizar para a recuperação ou
    reconversão da área;
    b) A faculdade de a Administração tomar posse administrativa de quaisquer
    imóveis situados na área, como meio destinado:
    I) À ocupação temporária de terrenos, com vista à instalação
    transitória de infra-estruturas ou equipamento social ou à
    realização de outros trabalhos necessários;
    II) À demolição de edifícios que revista carácter urgente, em
    virtude de perigo para os respectivos ocupantes ou para o
    público, por carência de condições de solidez, segurança ou
    salubridade, que não possa ser evitado por meio de
    beneficiação ou reparação economicamente justificável;
    III) À realização de obras de beneficiação ou reparação de
    edifícios que, por idênticas carências, revistam também
    carácter urgente, em virtude de os prédios não oferecerem
    condições de habitabilidade.
    2. A ocupação temporária de terrenos prevista no n.º I da alínea b) do número
    anterior será precedida de vistoria ad perpetuam rei memoriam, efectuada nos
    termos prescritos para a posse administrativa nas expropriações urgentes por
    utilidade pública.
    3. A necessidade de demolição de edifícios ou de obras de beneficiação ou
    reparação dos mesmos será verificada através de vistoria.
    Art. 43.º
    1. A posse administrativa, nos casos da alínea b) do n.º 1 do artigo anterior, será
    notificada aos proprietários dos imóveis a que respeita, por meio de ofício
    registado com aviso de recepção, no qual se lhes dará conhecimento da
    deliberação, dos fundamentos e da finalidade da diligência.
    2. A notificação será feita por edital, afixado nos Paços do Concelho durante
    quinze dias, e publicada em dois números de um dos jornais mais lidos da área
    da situação do prédio:
    a) Quando se desconheça a identidade ou a residência do proprietário;
    b) Quando este não seja encontrado na sua residência habitual.
    Art. 44.º
    1. Os interessados poderão reclamar da deliberação, no prazo de
    quinze dias, a contar do recebimento do ofício de notificação ou
    do termo do período de afixação do edital ou da última
    publicação do jornal, se for posterior.
    3. Nos casos de posse administrativa para demolição, reparação ou beneficiação de
    edifícios, os interessados, dentro do prazo estipulado no número anterior,
    poderão requerer a fixação de prazos para o início e conclusão dos trabalhos,
    assumindo a responsabilidade de os efectuar.
    4. A Administração procederá aos trabalhos de demolição, de beneficiação ou
    reparação de edifícios, por conta dos respectivos proprietários:
    a) Se estes não apresentarem reclamação contra a diligência ou a mesma for
    indeferida;
    b) Se os interessados não iniciarem os trabalhos ou não os concluírem nos
    prazos para esse efeito fixados a seu pedido.
    Art. 45.º
    1. A ocupação temporária de terrenos, nos termos do n.º I da alínea b) do n.º 1
    do artigo 42.º, confere direito a indemnização pelos danos causados.
    2. Se a ocupação do terreno se prolongar para além de cinco anos, o
    proprietário tem o direito de exigir que a Administração proceda à respectiva
    expropriação.
    Art. 46.º
    A Administração poderá proceder ao despejo administrativo dos prédios a demolir, bem
    como ao despejo temporário daqueles que careçam de obras cuja realização não possa
    ser feita sem a desocupação.
    Nalgumas das câmaras municipais em que prestei assessoria às respectivas presidências , o recurso a este mecanismo legal para por cobro a focos de degradação urbana atentatória do interesse público , foi , apesar da complexidade formal do procedimento , uma forma eficaz de reabilitar zonas sensíveis dos respectivos núcleos urbanos.
    Tendo como premissa o bem comum, o facto do Estado actuar na esfera privada das pessoas não é um problema, é uma necessidade. Para que se proteja o meu bem e o seu, o Estado deve agir como gestor das relações sociais. É uma questão de ordem. Caso não houvesse essa protecção, estaríamos fadados ao estado de natureza, onde o homem é o lobo do próprio homem.

    ResponderEliminar
  3. Caro Luís Proença,

    Acompanhei diversos processos de vistorias coercivas no anterior mandato autárquico e por isso conheço a legislação que transcreveu.

    Mas há uma questão que não bate certo no que referiu. Eu concordo com o que diz nos casos enunciados pela lei, ou seja, em casos de perigo para a saúde pública a autarquia tem não só o direito, como também o dever de se substituir aos privados.

    O que acontece é que o meu caro propõs que essa substituição acontecesse como estratégia de dinamização do centro histórico e não como salvaguarda sa saúde pública, razão pela qual não posso concordar com ela.

    No meu entender, a câmara deve criar condições para o desenvolvimento da economia local de modo a que se permita, por essa via, a recuperação do centro histórico. Vamos ter ao mesmo sítio, mas por caminhos diferentes...

    Esta conversa parece um pouco incaracterística, uma vez que temos alguém de um partido de esquerda a dizer a alguém de um partido de direita que o estado deve regular, incentivar, mas não se substituir aos privados no seu papel perante a economia de mercado.

    Não se esqueça que em termos políticos a credibilidade de determinada pessoa ou grupo está ligada à razoabilidade das propostas apresentadas.

    Esta minha posição pode não ser muito simpática, mas acredite que é sincera. Nem faria sentido dar-me ao trabalho de intervir neste espaço se não fosse nessas condições.

    ResponderEliminar
  4. Caro Miguel,
    As suas posições só valorizam este espaço de discussão. Fico-lhe muito grato pela forma positiva e superior como tem participado.
    Continue por favor.

    ResponderEliminar
  5. Armando-me em avaliador sem convite para tal, devo dizer que o Miguel vem dar um toque quiçá humanista à temática em foco.
    Por outro lado, Luís Proença, responsável por um blog sobre coisas de Alcochete, tem dado um contributo único para que isto mude nesta terra que é de todos nós.

    ResponderEliminar
  6. No sentido de responsabilizar quem deve ser responsabilizado pelos seus actos ou omissões,recomendo uma leitura atenta de um diploma que pode causar alguns "calafrios" aos titulares dos orgãos autárquicos e funcionários.
    Em especial,a possível concretização do direito de regresso do Estado ou da Autarquia sobre os prevaricadores.É precisamente a Lei nº 67/2007,de 31-12, que fixa o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas.
    É bom pensar que os tempos da responsabilização puramente política estão a desaparecer.

    ResponderEliminar
  7. No sentido de se estar atento para ,eventualmente,identificar e pedir contas a quem possa vir a ser responsabilizado ,pelos suas acções ou omissões,recomendo a leitura atenta de uma Lei da República.
    A Lei nº 67/2007,de 31-12.
    Trata-se da Lei que define o Regime da Responsabilidade Civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas.
    É uma Lei que poderá causar alguns "calafrios" aos titulares dos orgãos autárquicos e aos respectivos funcionários,em especial,quanto à possibilidade de concretização do direito de regresso do Estado ou da Autarquia sobre os prevaricadores.
    Direito de regresso a traduzir-se no pagamento, por políticos ou funcionários ,de indemnizações pelos danos causados a terceiros e que foram suportados pelo Estado ou pela Autarquia Local.
    Os tempos da responsabilização puramente política estão a desaparecer.

    ResponderEliminar